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Falta de acesso a creches e escolas impacta mulheres de favelas

Dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), levantados entre 2022 e 2023, apontam que 61,8% das mulheres de Jardim Gramacho, bairro da periferia de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, dizem que a localidade não conta com creches e escolas públicas em que elas possam deixar seus filhos enquanto trabalham.


Dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), levantados entre 2022 e 2023, apontam que 61,8% das mulheres de Jardim Gramacho, bairro da periferia de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, dizem que a localidade não conta com creches e escolas públicas em que elas possam deixar seus filhos enquanto trabalham.

A mesma dificuldade é percebida por moradoras de favelas da Grande Tijuca, como Borel (17,7%), Indiana (20,7%) e Chácara do Céu (28,7%). No Complexo do Alemão, zona norte do Rio, o cenário não é diferente. O Ibase percorreu 11 favelas e levantou que 32% das moradoras não encontram abrigo para seus filhos em creches ou escolas públicas no território.

Municípios e regiões diferentes, mas os mesmos problemas. A pesquisa identificou que a falta de vagas causa dificuldade no desenvolvimento das crianças, prejudica os direitos das mães ao trabalho, e exige que recursos já escassos como os obtidos como programas sociais custeiem cuidadores ou escolas particulares. Foram entrevistadas, ao todo, 12.414 pessoas.

Moradora de Jardim Gramacho, a dona de casa Gisely de Aguiar, de 24 anos, é mãe de três filhos: um menino, de 2 anos; uma menina, de 4 anos; e o mais velho, de 6 anos. Sem conseguir vaga em creche para o menor nem escola para a filha de 4 anos, ela teve que matriculá-la em uma instituição particular. Gisely conta que essa é a realidade de muitas mães perto dela.

"O mais novo não está em creche porque é bem difícil de conseguir por causa de sorteio. Nunca é chamado. A menina também não conseguiu colégio público, então, eu tiro do meu Bolsa Família para pagar colégio, para, ano que vem, tentar colocá-la num público. O mais velho, consegui [matricular] este ano na escola pública. Eu não trabalho fora porque não tenho uma rede de apoio para me ajudar. Eu gostaria de trabalhar fora".

Procurada para dar posicionamento sobre a pesquisa, a Prefeitura de Duque de Caxias não retornou o contato até a publicação da matéria.

Defasagem escolar

Gisely estudou até o sexto ano do Ensino Fundamental e também gostaria de voltar aos estudos, mas não consegue encontrar uma pessoa para ficar com os filhos à noite. Essa é uma situação comum constatada pela pesquisa, que mostra ainda que 38,3% das mulheres que vivem no Borel, Indiana, Chácara do Céu e Casa Branca, na Grande Tijuca, não completaram o ensino fundamental. Em Jardim Gramacho e no Complexo do Alemão os índices também são altos: 33% e 34%, respectivamente.

Quando o estudo aborda o acesso à educação superior, ele aponta que nos territórios da Tijuca que participaram do levantamento apenas 2% das mulheres concluíram a graduação, percentual próximo do levantado em Jardim Gramacho (1,7%). O local com melhor desempenho é o Complexo do Alemão, com 6% das mulheres na universidade. Mesmo assim, o índice é bem abaixo do nacional, apresentado pelo último Censo da Educação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em que 20,7% das mulheres do país tinham nível superior completo em 2022.

A diretora executiva do Ibase, Rita Corrêa Brandão, lembra que a educação infantil é um direito básico garantido na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes Básicas da Educação, no Estatuto da Criança e do Adolescente, e é um dever do Estado.

"O que a gente percebe é que as mulheres pesquisadas têm uma inserção mais precarizada no mercado de trabalho, ou seja, recebem salários mínimos. Não tendo creche pública, as que trabalham precisam dispor de um dinheiro para pagar as creches particulares. A gente não só não garante um direito que a criança tem quando essas mulheres precisam deixá-las com parentes, que na maioria das vezes são crianças e jovens que tomam conta dos filhos menores. Tem um índice grande de mulheres que não trabalham e também têm o direito ao trabalho violado. É uma dupla violação de direitos", disse Rita.

Problema pode ser ainda maior

A coordenadora geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe), Samantha Guedes, destaca que os números de déficit de vagas nas creches e na educação infantil são subnotificados.

"Em nível nacional, muitos responsáveis sequer ficam na lista de espera porque já sabem que não vão conseguir. Os números de déficit são muito maiores do que a gente sequer possa imaginar", diz.

Segundo ela, a educação infantil que vai de 0 a 5 anos e 11 meses é responsável pelo pleno desenvolvimento da criança. Na educação infantil é que os profissionais de educação observam se a criança tem algum tipo de transtorno, e, quanto mais cedo for feito um tratamento, menos defasagem a criança vai ter. A coordenadora do Sepe acrescenta que os municípios não atendem à mulher trabalhadora.

"As creches deveriam ter horário de funcionamento das 7h às 17h. No Rio, a maioria das creches vai das 8h às 15h30. A mãe vai ter que pegar uma parte do dinheiro do trabalho para pagar alguém para buscar o filho na escola e ficar com ele até chegar do trabalho. Ou, então, o irmão mais velho ou a avó tomam conta da criança", afirma Samantha.

Em 2024, a prefeitura do Rio de Janeiro foi condenada a pagar multa de mais de R$2 bilhões por não ter conseguido zerar a fila de espera em creches e pré-escolas do município. De acordo com dados da prefeitura, no final do ano letivo de 2023, ainda havia 12.394 crianças de até 6 anos esperando vaga no turno integral, e 2.911 no turno parcial.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal de Educação do Rio para saber sobre o pagamento da multa e atualizar o déficit de vagas, mas não recebeu resposta até o fechamento da matéria.

Inauguração da creche em Crato/CE. Foto: Angelo Miguel/MEC

Desigualdade entre pobres e ricos

De acordo com a gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Beatriz Abuchaim, o mais preocupante desse contexto é que os dados brasileiros mostram que as crianças mais pobres têm menos oferta de educação infantil que as crianças mais ricas.

"Muitas vezes, essas famílias em vulnerabilidade social não têm condições de ter livros em casa ou de ter brinquedos que são materiais importantes para o desenvolvimento infantil. Se a criança está indo a uma creche de boa qualidade, ela pode ter acesso a esses estímulos. O acesso à creche no Brasil não é uma etapa obrigatória de matrícula, mas a pré-escola é, a partir dos 4 anos. O poder público tem obrigação de oferecer vagas para todas as famílias que demandarem".

Beatriz Abuchaim destaca que uma educação infantil de qualidade pode quebrar o ciclo intergeracional de pobreza. "A falta de acesso à educação nos seis primeiros anos de vida tem impacto de longo prazo. Temos vários estudos que comparam crianças que tiveram oportunidades de frequentar escolas de qualidade com crianças que não tiveram essa oportunidade. E fica muito marcado o impacto disso. São crianças que tendem a ter melhores resultados de aprendizagem e menos chance de se evadir da escola com mais anos de escolarização. Esses grupos na fase adulta têm menos chance de se envolver com o crime, de serem usuários de droga, de terem problemas de saúde física e mental e têm uma maior chance de ter uma melhor inserção no mercado de trabalho, com salários mais altos", acrescenta Beatriz.

O Plano Nacional de Educação (PNE) vigente foi prorrogado até dezembro deste ano. Ele tem uma meta de oferta de educação infantil de creche de no mínimo 50% para as crianças até 3 anos. Segundo dados do Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 33,9% das crianças brasileiras frequentam a creche. A meta era universalizar no Brasil em 2016 a pré-escola das crianças de 4 e 5 anos. Segundo o Censo, atualmente 86,7% das crianças frequentam a pré-escola.

No Brasil, 2,3 milhões de crianças de até 3 anos de idade não frequentam creches por alguma dificuldade de acesso ao serviço. Isso significa que as famílias dessas crianças gostariam de matriculá-las, mas encontram dificuldades como a localização das escolas, distantes de casa, ou mesmo a falta de vagas. O percentual das famílias mais pobres que não conseguem vagas é quatro vezes maior do que o das famílias mais ricas, segundo o IBGE.

Alunos, funcionários e pais fazem ato contra o fechamento da Creche Oeste da Universidade de São Paulo (USP) / Rovena Rosa/Agência Brasil

Agência Brasil

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